Acabei de assistir ao documentário "O dilema das redes", na Netflix.
Saio com um sentimento dúbio de certo alívio por este debate finalmente ter sido aberto para uma audiência maior e por outro lado de certa ansiedade por conta de não ver ações concretas e mesmo reações na mesma medida para tudo o que foi mostrado no filme.
Quem me acompanha aqui, sabe que falo do assunto há alguns anos e, especialmente em 2018 e 2019, este foi um tema que abordei fortemente, através por exemplo, da resenha do livro "ZUCKED" do Roger McNamee, (um dos personagens do documentário).
Investidor em tecnologia, músico, sócio do Bono Vox no fundo Elevation, sempre esteve envolvido com o assunto desde a segunda etapa do Silicon Valley (primeira etapa, engenheiros de camisa branca e mangas curtas com protetor de plástico para canetas no bolso - tempos de início do mainframe, anos 60).
A segunda etapa, marcada pelo surgimento dos primeiros computadores pessoais, Gates, Jobs e garagistas em geral, teve participação direta de McNamee.
No início, o livro conta um pouco dessa história de forma detalhada e muito envolvente. A terceira etapa da história do Vale é pós internet. Aí começam os problemas.
O texto segue detalhando o princípio inspirado que o Facebook teve, seu sucesso desde o momento zero e a personalidade de seu fundador. Aliás o autor destaca várias vezes ao longo do livro, que nunca viu uma empresa que fosse tão bem sucedida em tão pouco tempo e dá as razões e condições para isso, o que ao longo do tempo se nada for feito, McNamee demonstra que a continuidade pode vir a ser nefasta.
De uma forma geral, o livro (assim como o documentário da Netflix) é um grande alerta ao perigo da não regulação das plataformas gigantes (FB, Google especialmente com YouTube, Twitter e Amazon). Seu ponto, bem defendido, é que sem regulação, incidentes gravíssimos como o vazamento de dados de usuários, (vide Cambridge Analytica e a eleição americana de 2016 com interferência russa) seguirão acontecendo.
Essas plataformas já dominam todos os aspectos da vida em sociedade, ganhando muito dinheiro com isso, impedindo novos entrantes em seus mercados, asfixiando as startups inclusive com propostas de compra em seu nascedouro ou ameaças de que lançarão negócios iguais - o caso Snapchat é um bom exemplo.
A chegada da Internet das coisas e a Inteligência Artificial são potenciais focos de mais dominação e controle, algo afeito a estados totalitários destaca o autor. De fato, as discussões em torno destes dois temas começam a dominar a conversa nos foruns de tecnologia, sociedade e comportamento.
Um ex-defensor da tecnologia como benção para sociedade, Roger McNamee é o mais novo convertido na batalha contra a desumanização da tecnologia. Criou o Center for Humane Technology, um movimento que começa a crescer e ganhar corpo, em conjunto com Tristan Harris, o personagem principal do documentário, o famoso ex-Google que jogou tudo no ventilador ao falar que as técnicas de persuasão voluntariamente aplicadas no design de interfaces, geram dependência e transformam o usuário num indivíduo com as mesmas características e reações de um dependente de jogo ou drogas.
Se você não acha que a tecnologia como está desenhada e oferecida hoje pode ser uma influência negativa na sua vida, não leia o livro e nem veja o filme.
Se começa a se preocupar com o assunto, comece por ele.
Links:
https://www.humanetech.com/
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