top of page
Foto do escritorCadu Lemos

#19/Fotografia, flow e não dualidade


Foto Cadu Lemos com iPhone 6 (2016)


Sempre fui apaixonado por artes visuais, em especial a fotografia. Na minha adolescência, tive o privilégio de ter convivido com um ser humano incrível, pai de um dos meus melhores amigos de infância. Luis Humberto era arquiteto e fotógrafo e um dos fundadores da UnB, Universidade de Brasília, onde curiosamente, produzi meu primeiro ensaio fotográfico em 1979 e que me rendeu um prêmio do Instituto dos Arquitetos do Brasil, numa mostra chamada "O espaço habitado". Eu tinha 17 anos e já tinha certeza de que queria ser fotógrafo. E da National Geographic, claro ;)


A vida me colocou perspectivas, me impôs outros caminhos, mas a fotografia sempre esteve comigo. Mais recentemente, em 2012, essa paixão foi novamente cristalizada através de uma produtora cultural que criei com um amigo fotógrafo, chamada mObgraphia (por ser dedicada à fotografia e videos de celulares e outros gadgets 'mobile' e mobgrafia como o ato de fotografar com eles). Hoje, ela segue sob o comando do meu ex-sócio e para minha surpresa e alegria, o nome 'mografia' virou sinônimo de fotografia mobile e desde aquela época, é o maior festival/evento de fotografia com celulares da América Latina. 


Nunca abandonei a prática. Fui embora de São Paulo em 2017 mas aqui onde moro, na zona rural do interior de São Paulo, sigo fazendo meus cliques, mas de uma forma diferente daquela que eu estava habituado (e fui treinado). 


Hoje, minha prática é dedicada à fotografia contemplativa e especialmente ao Miksang (bom olho em Tibetano), que tive contato ainda quando estava em São Paulo, através da palestra do Andy Karr realizada no MAM em 2015 se não me engano. Ali, tomei conhecimento do trabalho dele e desta forma de olhar para o mundo, com nomes que são destaque nessa arte de contemplação como Michael Wood e Julie DuBose.

Segui minhas pesquisas no tema e encontro outras pérolas da autoobservação e autoconhecimento através da fotografia, com o trabalho de David Ulrich e Philippe L. Gross.




Em uma era de distração digital constante, as lições da fotografia contemplativa oferecem um antídoto poderoso - uma maneira de desacelerar, prestar atenção e encontrar a beleza extraordinária nos momentos mais comuns.


No meu caso, há muitos anos não gosto da atitude de querer ‘conseguir’ uma boa imagem ou mesmo parar para mexer nas configurações da câmera porque isso me tira do estado de flow, da imersão no ambiente que isso sim, busco nas minhas caminhadas. 


Considero cultivar a visão e a presença interna como mais importantes que o domínio da técnica (Aliás, praticamente abandonei as câmeras pelo celular há tempos).


A fotografia contemplativa é uma prática que se distingue pela sua abordagem meditativa e introspectiva ao ato de fotografar. Neste contexto, a técnica Miksang, que significa "bom olho" em tibetano, desenvolvida por Chogyam Trungpa lama tibetano que era um fotógrafo dedicado e buscava transferir alguns conhecimentos do budismo através das imagens, emerge como uma forma única de arte visual que se fundamenta na percepção pura e na presença plena. 



“O termo “arte do dharma” não significa arte retratando símbolos e ideias budistas, como a roda da vida ou a história do Buda. De fato, arte do dharma refere-se à arte que surge de certo estado mental da parte do artista que poderia ser chamado de estado meditativo.” “Na arte meditativa, o artista incorpora tanto o espectador como o criador do trabalho. A visão não é separada da operação, e não há medo de ser desajeitado ou de falhar em atingir a aspiração.” 
Chogyam Trungpa


Trungpa Rinpoche acreditava que a verdadeira expressão da arte fotográfica não residia na manipulação técnica, mas na capacidade de ver claramente e sem preconceitos.

Pode-se dizer que Miksang é quando o olho está em sincronia com a mente contemplativa. Esse termo foi cunhado por estudantes de Chögyam Trungpa, nomeadamente Michael Wood.


O Conceito de Fotografia Contemplativa


A fotografia contemplativa difere da fotografia tradicional na medida em que o foco não está apenas na captura de uma imagem esteticamente agradável, mas sim na experiência do momento presente. Trata-se de um processo que busca reconhecer a beleza e a profundidade do cotidiano, muitas vezes ignorado pelo olhar apressado e distraído.


A prática da fotografia contemplativa envolve uma atenção consciente e uma receptividade ao que se apresenta diante de nós. É uma forma de meditação ativa que exige que o fotógrafo esteja completamente presente, sem julgamentos ou expectativas, permitindo que a cena se revele em sua autenticidade.


A prática de Miksang envolve três passos essenciais:


Olhar

Estar presente e aberto ao que está ao nosso redor, sem buscar ativamente algo específico para fotografar.


Ver

Reconhecer um momento de percepção clara e direta que nos chama a atenção.


Expressar

Capturar essa percepção através da fotografia, sem alterar ou interferir no seu olhar: Estar presente e aberto ao que está ao nosso redor, sem buscar ativamente algo específico para fotografar.

Esses passos refletem uma jornada interna que nos leva a uma compreensão mais profunda da realidade e da nossa relação com ela.


Olhar e Ver: 

Transcendendo a Dualidade


Na prática de Miksang, o ato de "olhar" e "ver" não são meramente atividades visuais, mas sim estados de ser que transcendem a dualidade sujeito-objeto. Na nossa vida cotidiana, frequentemente operamos a partir de uma perspectiva dualista, onde nos percebemos como entidades separadas do mundo ao nosso redor.


No entanto, ao praticarmos Miksang, somos convidados a abandonar essa dualidade. Quando olhamos com um "bom olho", estamos presentes no momento sem a interferência de pensamentos ou julgamentos. Esse estado de presença plena nos permite ver a realidade tal como é, sem a distorção de nossas percepções condicionadas.


Por exemplo, imagine caminhar por uma rua movimentada. Na maioria das vezes, estamos tão absorvidos em nossos pensamentos que não percebemos os detalhes sutis ao nosso redor. Ao praticar essa forma de olhar e ver, podemos notar a textura da calçada, o reflexo da luz em uma poça d'água, ou a expressão serena de um estranho. Esses momentos de percepção pura nos conectam diretamente com a realidade, dissolvendo a barreira entre o observador e o observado.


A Ilusão da Separação


A ilusão da separação é uma construção mental que nos leva a acreditar que estamos isolados do mundo e das outras pessoas. Essa percepção é a raiz de muitos dos nossos conflitos internos e externos. No entanto, a prática da fotografia contemplativa e do Miksang nos oferece uma maneira de desafiar e transcender essa ilusão.


Quando estamos completamente presentes e abertos ao que está diante de nós, começamos a perceber a interconexão de todas as coisas. A lente da câmera se torna uma extensão do nosso olhar contemplativo, capturando momentos que revelam a unidade implícita da existência.


Por exemplo, ao fotografar uma folha caída no chão, podemos ver não apenas a folha em si, mas também a história de sua jornada, desde a árvore que a nutriu até o solo que a acolhe. Esse simples ato de ver com clareza nos lembra que tudo está interconectado e que a separação é apenas uma ilusão criada pela mente.




Exemplos Práticos de Fotografia Contemplativa e Miksang


Natureza

Fotografar a natureza é uma maneira poderosa de praticar Miksang. Ao caminhar por um parque ou floresta, podemos nos concentrar em detalhes como a textura da casca de uma árvore, o jogo de luz e sombra entre as folhas, ou a simplicidade de uma gota de orvalho em uma pétala. 

Nessas observações, a prática nos convida a nos conectar profundamente com o ambiente natural, percebendo a interdependência de todos os elementos.


Cenários Urbanos: 

Em um ambiente urbano, a fotografia contemplativa pode nos ajudar a ver beleza e harmonia onde normalmente veríamos caos e desordem. Podemos focar nos padrões formados pelas sombras dos edifícios, nos reflexos nas janelas, ou na composição geométrica das ruas e calçadas. Ao olhar com atenção, descobrimos que até mesmo a cidade mais movimentada está repleta de momentos de serenidade e ordem.


Rostos e Pessoas: 

Fotografar pessoas com um olhar contemplativo nos permite ver além da superfície. Em vez de buscar uma pose perfeita ou uma expressão específica, podemos capturar a essência de uma pessoa em um momento de autenticidade. Um sorriso genuíno, um olhar pensativo, ou a expressão de alguém perdido em seus pensamentos revelam a profundidade da experiência humana e a nossa conexão com os outros.


Objetos Cotidianos: 

Muitas vezes, passamos por objetos cotidianos sem lhes dar muita atenção, porém a prática desta arte nos encoraja a ver esses objetos com novos olhos. Uma xícara de café, uma cadeira antiga, ou um par de sapatos desgastados podem se tornar temas fascinantes quando vistos com um olhar contemplativo. Esses objetos, quando percebidos em sua simplicidade e beleza intrínseca, nos lembram da riqueza do momento presente.



A Não Dualidade na Prática Contemplativa


A prática da fotografia contemplativa e do Miksang é uma jornada para além da dualidade. Nessa abordagem, a não dualidade é a compreensão de que todas as coisas estão interligadas e que a separação é uma ilusão. Quando olhamos e vemos com um bom olho, estamos praticando a não dualidade em ação.


Ao fotografar de maneira contemplativa, começamos a perceber que não há um "eu" separado do "outro". A câmera não é apenas uma ferramenta para capturar imagens, mas um meio de explorar a interconexão de todas as coisas. Cada fotografia se torna um reflexo da nossa própria mente e da nossa relação com o mundo.


Por exemplo, ao fotografar uma paisagem, podemos sentir uma sensação de pertencimento e unidade com a natureza. Não estamos apenas observando a cena, mas nos tornamos parte dela. Essa experiência nos lembra que somos todos partes de um todo maior, interconectados e interdependentes.


A Importância da Prática Contemplativa na Vida Moderna


Em um mundo cada vez mais acelerado e distraído, a prática da fotografia contemplativa e do Miksang oferece uma pausa necessária. Ela nos convida a desacelerar, a estar presentes e a ver a beleza e a profundidade do cotidiano. Essa prática não é apenas uma forma de arte, mas uma maneira de viver mais plenamente e conscientemente.


Além disso, a fotografia contemplativa pode ter um impacto positivo na nossa saúde mental e emocional. Estudos têm mostrado que práticas meditativas e contemplativas podem reduzir o estresse, aumentar a atenção plena e promover um senso de bem-estar.


Ao integrar a fotografia contemplativa em nossas vidas, podemos cultivar uma maior consciência e apreciação pelo mundo ao nosso redor.



A fotografia contemplativa e o Miksang nos convidam a olhar e ver o mundo com novos olhos. Ao praticar essa forma de arte, somos levados além da dualidade e da ilusão da separação, para uma experiência singular de unidade e conexão profunda. Através da lente da câmera, descobrimos a beleza e a interconexão de todas as coisas, lembrando-nos de que somos todos partes de um todo maior.


Afinal, ver tem muito mais a ver com a mente do que com a câmera.


Se você se interessa pelo tema e quer se aprofundar, te convido a conhecer o meu programa mObZen e algumas de minhas fotos, aqui e aqui.


Que o #flow esteja com você.



Sobre a newsletter


"Psiconauta" é uma palavra baseada em raízes gregas que se traduzem em “explorador da mente”. É uma mistura de "psico'', um prefixo usado para descrever processos mentais ou práticas como psicologia e termos como argonauta e astronauta, cujas “viagens e explorações dos mares e do espaço” evocam uma transcendência elevada ou espiritual. A ideia é mensalmente provocar, refletir e agir sobre temas da mente e espírito.


Conheça todo o meu trabalho aqui



6 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


bottom of page