Esta edição d'O Psiconauta, traz a inédita e exclusiva entrevista com o Dr. Mohammad Shehata, líder da pesquisa que trouxe as primeiras evidências científicas do flow em equipes. A entrevista aconteceu em 5 de maio passado via webinar que disponibilizaremos via link exclusivo.
Dr. Mohammad Shehata, Ph. D., começou sua jornada de pesquisa estudando como o cérebro de roedores armazena memórias.
Ele estabeleceu um método, publicado no Journal of Neuroscience (2012 e 2018), para apagar seletiva e permanentemente memórias de medo de cérebros de roedores.
Essa metodologia levou a uma segunda descoberta da identidade da memória: como o armazenamento cerebral conectava memórias independentes publicadas na Science (2018) e apresentadas pelo Prêmio Nobel Sir Eric Kandel em seu artigo de revisão.
Além disso, o Dr. Shehata estudou os correlatos neurais do fenômeno psicológico de "Team Flow" ou o estado de Flow coletivo, em humanos.
Sua pesquisa foi publicada recentemente na eNeuro e apresentada em dezenas de artigos de notícias, incluindo The Times Magazine London, Scientific American (Arabic Edition), Psychology Today, e atraiu colaborações da indústria, incluindo Sony CSL, NASA e várias empresas interessadas no impacto de seu estudo.
O estudo que conduziu para a NASA, está detalhado na conversa que Cadu Lemos e Alexandre Santille fizeram com ele no webinar que ilustra esta edição da newsletter.
Atualmente, o Dr. Shehata está trazendo o conhecimento do flow em equipes para o mundo organizacional, elevando o desempenho, a eficiência, a retenção e o engajamento das equipes.
Ele explora as diferenças individuais no estilo e habilidades cognitivas e cria algoritmos de aprendizado de máquina com base em modelos neurais para criar estratégias de formação de equipes mais eficazes.
Nosso alinhamento de visões, é bastante flagrante, notadamente no que diz respeito ao fato de irmos além do 'teambuilding', do trabalho em equipe, buscando algo mais legítimo, genuíno, o espírito de equipe, através da ativação coletiva do estado de flow, um estado ampliado de consciência onde desempenhamos em nossos pontos ótimos, mentais, físicos e emocionais.
Este estudo, trará seguramente aprendizados e impactos na forma como trabalhamos as culturas organizacionais, numa inevitável transição da gestão 'comando e controle' para uma cultura de flow, onde metas batidas, resultados e lucro, passam a ser consequências de algo maior e não apenas objetivos finais para satisfazer o acionista. As empresas que entenderem isso, garantem sua longevidade (enquanto conseguirmos nos manter vivos num planeta explorado e maltratado diariamente).
Dr. Shehata obteve seu bacharelado em farmácia e ciências farmacêuticas pela Universidade do Cairo, Egito, e seu Ph.D. em Neurociência pela Universidade de Toyama, Japão.
Atualmente, é Professor Associado da Universidade de Tecnologia de Toyohashi, Japão, e Associado Visitante do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
O trabalho dele é a primeira tentativa do mundo de entender esse estado psicológico objetivamente.
O estado de Flow pode ser experimentado durante uma atividade individual ou durante atividades em grupo.
Quando os membros da equipe sentem que estão em um estado de Flow unificado, suas ondas cerebrais tendem a ser sincronizadas em perfeita harmonia.
O Flow coletivo cria um estado hipercognitivo marcado por altos níveis de integração de informações e sincronia neural.
Relações neurais durante o Flow coletivo foram identificadas por imagens cerebrais EEG (Eletroencefalograma) e podem ser usadas como uma ferramenta para prever e melhorar o desempenho da equipe.
As ondas cerebrais beta e gama no córtex temporal médio durante o Flow coletivo:
Resultados das análises de EEG, mostram que o córtex temporal esquerdo é ativado especificamente durante o flow da equipe.
Essa correlação neural não só pode ser usada para compreender e prever a experiência de Flow coletivo, como também, os autores estão trabalhando na utilização dos resultados para monitorar e prever o desempenho das equipes.
Quem acompanha a newsletter O Psiconauta e meus artigos aqui no LinkedIn e em outros canais, assim como o nosso trabalho no Projeto Flow, sabe que o entendimento inicial deste estado ampliado de consciência e sua definição, são frutos do trabalho do Professor Mihaly Csikszentmihalyi com sua pesquisa iniciada nos anos 70.
Mais recentemente, diversos outros pesquisadores, autores e cientistas, agregaram seu conhecimento através de diversas comunidades que temos o prazer e o privilégio de participar, como o Leadership&Flow Global Research Network, Flow Genome Project, European Flow Researchers Network e o Flow Research Collective entre outros.
Um deles, ex-aluno do Professor Csikszentmihalyi, é o Professor de Psicologia da UNC (University North Carolina ), Keith Sawyer, que em seu trabalho (e livro - Group Genius: The Creative Power of Collaboration), identificou dez gatilhos que produzem flow coletivo:
1.Metas compartilhadas - Todos no grupo trabalham pelo mesmo objetivo. Comitês, grupos de projeto, ou os "squads" na recente onda Agile, todos eles tem um objetivo específico em mente. O que se espera destes times é que resolvam este problema específico. Se a meta é bem assimilada e pode ser facilmente definida, a tarefa é ser criativo e voltado à solução de um desafio.
Esse tipo de situação favorece a concentração, hiperfoco e com isso o flow como consequência. Criatividade, como identificação e solução do problema é um gatilho básico, mas a chave para o flow neste tipo de situação está no gerenciamento de um paradoxo, o estabelecimento de uma meta que permita que o time fique focado o suficiente de forma a perceber quando está próximo da solução, mas também uma meta que esteja aberta a alternativas e possibilidades múltiplas de solução, o que faz a criatividade emergir em seu ponto máximo;
2.Escuta Ativa - Prestar total e completa atenção consciente ao que está sendo dito, gerando respostas não racionalizadas, genuínas, um improviso em tempo real;
3. Mantendo o ritmo - As conversas são para acrescentar, não há discussão. Sempre diga “sim” e veja onde vai dar a conversa, amplificando as idéias de cada um. Ouvir atentamente ao que está sendo dito e aceitar de forma inteira e verdadeira, para então amplificar as idéias e construir algo em cima delas. O improviso e o inesperado, são elementos que juntos, podem resultar em idéias surpreendentes;
4. Hiperfoco/concentração total - Foco total no aqui e agora, concentração completa. É fundamental separar o grupo de outras atividades que estejam acontecendo, dando a eles o espaço necessário para dedicar atenção total ao que estão fazendo. Sawyer menciona que esta talvez seja a razão de alguns times de alta performance terem uma forte sensação de identidade de grupo, de estarem à parte do resto do mundo;
5. Senso de Controle - Cada membro do time se apropria do momento e se sente em controle, com autonomia, livre para fazer o que quer e sabe, mas com flexibilidade. As pessoas ativam o flow quando estão em controle de suas ações e do ambiente em torno da atividade. Da mesma forma, o flow coletivo se eleva quando há uma sensação de autonomia, competência e afinidade. A segurança de ter uma liderança que confia, aceita e apoia o que é decidido pelo time aumenta enormemente a performance. Mas aqui há também um paradoxo. Cada membro da equipe precisa sentir ter controle e ao mesmo tempo permanecer sendo flexível, ouvindo ativamente e seguir com o flow do grupo;
6. Egos desinflados - Flow coletivo é o momento mágico onde tudo está certo, o time está em sintonia e em sincronia e os participantes parecem pensar como uma só mente. No flow coletivo a idéia de cada um se soma às idéias dos outros que já contribuiram. Pequenas idéias se juntam e a inovação emerge. Pense numa 'jam session'. É a mesma coisa;
7. Participação Equânime - Níveis de habilidade e hierarquia são similares a todos os envolvidos. O flow não acontece se o nível de 'skills' do time não for equilibrado. Todos os membros devem ter níveis parecidos de habilidade. É por isso, segundo Sawyer, que alguns atletas profissionais não gostam de jogar com amadores. O flow não acontece, o profissional se entedia e o amador se frustra. O flow é bloqueado também quando alguém tenta dominar a cena, é arrogante ou acha que não tem nada a aprender naquela situação;
8. Familiariedade - As pessoas se conhecem e tem afinidade, conhecimento compartilhado e entendem as características e hábitos de cada um. Todos estão na mesma página e quando chegam os ‘insights’, não se perde tempo racionalizando. Quando se está familiarizado e se tem afinidade com o companheiro de trabalho, somos mais produtivos e tomamos decisões mais efetivas;
9. Comunicação Constante - Uma versão coletiva de feedback imediato, algo recorrente no estado de flow individual (onde o feedback é a própria atividade em que se está mergulhado) que ganha novas características quando outros estão envolvidos. Sawyer defende (e eu também) que comunicação constante é essencial para o flow coletivo. Ninguém gosta de ir a reuniões inúteis. O tipo de comunicação que leva ao flow na maioria das vezes não acontece numa sala e sim num papo expontâneo, numa caminhada, no happy hour ou mesmo dbatendo um papo de conteúdo com alguém bacana;
10. Risco Compartilhado - Todos estão envolvidos e investidos totalmente na atividade e no projeto (investimento de tempo, recursos financeiros, humanos e o 'seu na reta'). Todos já sabemos que inovação é resultado de falhas e erros frequentes. Não há criatividade sem tropeços e falhas. Criatividade é um processo, tem método. Também não há flow coletivo sem o risco do erro. Estas duas conclusões andam juntas porque o flow coletivo é o que geralmente produz as inovações mais significativas.
Em 2019, pesquisadores do Flow Researchers Network na Europa, publicaram um amplo estudo sobre o tema e listaram algumas condições necessárias para que se combine a experiência individual com a experiência coletiva do flow. São sete pré requisitos para que o flow coletivo aconteça, reforçando e ampliando o entendimento inicial das pesquisas de Mihaly Csikszentmihalyi:
Ambição coletiva;
Metas pessoais alinhadas com o coletivo;
Objetivos e visão comum compartilhados;
Integração nas habilidades e competências (altas e suficientes para os desafios propostos);
Comunicação aberta;
Segurança psicológica (no grupo,na gestão, no ambiente);
Compromisso mútuo.
Uma vez que estes pré requisitos estejam contemplados, as características abaixo conseguem emergir e uma combinação com os ítens listados acima estabelece a ativação e a presença do flow coletivo:
Senso de União
Senso de progresso (estamos juntos!)
Confiança mútua
Foco Holístico (amplitude). Entenda-se holístico aqui como um adjetivo que classifica alguma coisa relacionada com o holismo, ou seja, que procura compreender os fenômenos na sua totalidade e globalidade. A palavra holístico foi criada a partir do termo holos, que em grego significa "todo" ou "inteiro".
De acordo com a pesquisa, quando estes onze elementos estão ativos, significa que o time está vivendo o flow individualmente ou em conjunto, como definido por esta frase que conclui o estudo:
“Team flow, então, é o que acontece quando todos os membros de uma equipe experimentam o flow que é originário da dinâmica gerada pelo próprio grupo e onde compartilham sentimentos de harmonia e poder.”
Este conhecimento parte do indivíduo para o coletivo e chega num verdadeiro ponto de mutação da forma como encaramos o trabalho e as relações humanas.
Mohammad Shehata e sua equipe descobriram que durante as tarefas que envolvem o trabalho em equipe, as pessoas que coletivamente ativam o canal do Flow e criam fluidez quando trabalham juntas, mostram aumento da atividade das ondas beta e gama em seu córtex temporal médio esquerdo. Curiosamente, esta região do cérebro não foi ativada durante o Flow individual ou quando os pesquisadores observaram não engajamento na dinâmica de trabalho em equipe no ambiente de laboratório.
Com este contexto apresentado, embarque no link e no papo que tivemos sobre algo que seguramente, vai nos provocar a agir de forma diferente e encarar o novo mundo do trabalho com mais confiança.
Que o Flow esteja com você.
Sobre a newsletter
"Psiconauta" é uma palavra baseada em raízes gregas que se traduzem em “explorador da mente”. É uma mistura de "psico'', um prefixo usado para descrever processos mentais ou práticas como psicologia e termos como argonauta e astronauta, cujas “viagens e explorações dos mares e do espaço” evocam uma transcendência elevada ou espiritual. A ideia é mensalmente provocar, refletir e agir sobre temas da mente e espírito.
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